Angelo Felipe Silva

Danos Morais por abandono afetivo: ainda é possível pleitear na justiça?

O abandono afetivo é um tema que envolve profundas questões emocionais, sociais e jurídicas. Por muitos anos, o Judiciário reconheceu que a ausência de afeto e cuidado por parte de um dos genitores — geralmente o pai — poderia causar abalo psicológico suficiente para ensejar indenização por danos morais.

Neste artigo, abordaremos o conceito de abandono afetivo, sua recepção pela doutrina e jurisprudência brasileira, os fundamentos legais e a atual posição dos tribunais superiores sobre o tema.

. O Que É Abandono Afetivo?

abandono afetivo é a conduta de omissão, por parte de um ou ambos os pais, no dever de oferecer afeto, atenção, presença e suporte emocional aos filhos, sem que haja uma justificativa aceitável para tal ausência. Não se trata da falta de recursos materiais — como o não pagamento de pensão alimentícia — mas sim da negligência nos aspectos emocionais da criação, os quais são fundamentais para a formação psíquica e social da criança e do adolescente.

O abandono afetivo pode causar danos psicológicos profundos e duradouros, como baixa autoestima, insegurança, dificuldades de socialização e distúrbios emocionais. Por isso, o ordenamento jurídico brasileiro admite a possibilidade de indenização por danos morais, quando comprovado que a ausência de afeto e cuidado causou prejuízos relevantes à saúde emocional do filho.

Em resumo, o abandono afetivo é uma forma de negligência invisível, porém grave, que compromete o desenvolvimento saudável do indivíduo e rompe com os deveres básicos da parentalidade responsável.

1.1 Exemplo prático: Um pai que reconhece formalmente a paternidade de seu filho, mas nunca estabelece qualquer vínculo com ele — não telefona, não visita, não demonstra qualquer afeto ou interesse — pode ser responsabilizado civilmente, conforme os precedentes judiciais existentes.


2. Fundamento Jurídico do Dever de Afeto

O dever de cuidado e afeto está previsto implicitamente na Constituição Federal de 1988, que estabelece como base da família a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e a proteção integral à criança e ao adolescente (art. 227).

Código Civil – Art. 1.634:

“Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I – dirigir-lhes a criação e a educação.”

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Art. 4º:

“É dever da família assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”


3. Abandono Afetivo Como Dano Moral: Reconhecimento Judicial

3.1 Precedente do STJ: O Caso de 2012

Em um dos precedentes mais importantes sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu o direito à indenização por abandono afetivo. Trata-se do REsp 1.159.242/SP, julgado em 2012. A relatora, Ministra Nancy Andrighi, afirmou:

“Amar é faculdade, cuidar é dever.”

A decisão fixou indenização de R$ 200 mil a uma filha que comprovou ter sido ignorada pelo pai por toda a infância e juventude, o que lhe causou danos psicológicos severos.

3.2. Tese fixada: A omissão voluntária e injustificada no dever de cuidado parental pode gerar dano moral indenizável.


4. Retrocesso ou Evolução? O Que Dizem os Tribunais Superiores Recentemente

4.1. Retrocesso ou Evolução? O Que Dizem os Tribunais Superiores Recentemente

O debate sobre o abandono afetivo tem evoluído dentro do Judiciário brasileiro, mas não sem controvérsias. Embora existam precedentes importantes que reconhecem o direito à indenização por danos morais em decorrência da omissão afetiva dos pais, especialmente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a tendência mais recente tem sido de maior cautela por parte dos tribunais.

Nas decisões mais atuais, os tribunais superiores passaram a adotar um entendimento mais restritivo, exigindo a comprovação concreta e robusta do nexo de causalidade entre a omissão do genitor e os danos psicológicos alegados pelo filho. Ou seja, não basta apenas alegar ausência de afeto: é preciso demonstrar que essa omissão prejudicou diretamente e de forma significativa o desenvolvimento emocional e psicológico do indivíduo.

4.2. Ponto de Atenção

A jurisprudência recente tem se apoiado em um princípio delicado, porém essencial: o Judiciário não pode obrigar ninguém a amar. O amor, por sua natureza, não é passível de imposição legal. No entanto, isso não exime o genitor do dever de cuidado, que é um dever jurídico, e não apenas moral. Assim, se for comprovado que a ausência de cuidado e presença emocional causou danos reais e mensuráveis à formação do filho, o genitor pode sim ser responsabilizado civilmente.

Portanto, mais do que um retrocesso, o que se observa é uma evolução com maior rigor técnico, buscando equilibrar o direito à indenização com a preservação da liberdade individual e a necessidade de provas claras. A Justiça caminha para coibir a omissão prejudicial, mas sem transformar conflitos familiares em simples litígios indenizatórios automáticos.

Em síntese, a posição atual dos tribunais superiores pode ser compreendida como um ajuste de rota, que visa evitar banalizações do instituto da responsabilidade civil, sem, contudo, negar o direito à reparação quando houver dano efetivo e comprovado decorrente do abandono afetivo.


5. Ação de Indenização por Abandono Afetivo: Como Funciona?

A ação de indenização por abandono afetivo é uma medida judicial baseada na responsabilidade civil por dano moral. Trata-se de um instrumento que visa reparar os prejuízos emocionais causados por um genitor (ou ambos) que, injustificadamente, se omite no dever de prestar cuidado, carinho, presença e apoio afetivo à formação do filho. No entanto, para que essa responsabilização seja reconhecida judicialmente, é necessário atender aos três requisitos fundamentais da responsabilidade civil, conforme previsto no Código Civil:

5.1. Conduta Omissiva

É a falha ou negligência do genitor em cumprir com os deveres afetivos e de convivência. Isso não significa apenas ausência física, mas a falta de envolvimento emocional e suporte psicológico, como ignorar, rejeitar ou excluir o filho da própria vida sem justificativa plausível.

 5.2. Dano

Refere-se ao sofrimento psíquico real, ou seja, impactos negativos à saúde mental e emocional do filho, como transtornos psicológicos, depressão, baixa autoestima ou dificuldades de relacionamento. O dano precisa ser comprovado — geralmente por meio de laudos psicológicos, testemunhos ou outros elementos que demonstrem o prejuízo causado pela ausência afetiva.

5. 3. Nexo de Causalidade

É o vínculo direto entre a conduta omissiva do genitor e o dano sofrido pelo filho. Ou seja, é necessário provar que o sofrimento emocional decorreu da ausência afetiva e não de outros fatores externos. Esse elemento é um dos pontos mais sensíveis e rigorosamente analisados pela Justiça, especialmente nos julgamentos mais recentes.

 5.4. Prazo Prescricional

A jurisprudência dominante estabelece que o prazo para ingressar com a ação é de três anos, conforme o art. 206, §3º, V, do Código Civil, que trata da prescrição para ações de reparação civil. Esse prazo começa a contar a partir da maioridade civil, ou seja, a partir dos 18 anos de idade da pessoa afetada, momento em que ela adquire plena capacidade para propor a ação.


6. Conclusão

abandono afetivo é uma realidade complexa, que transcende o campo jurídico e alcança dimensões profundas da ética, psicologia e relações familiares. Embora o afeto em si não possa ser imposto pelo Estado, o dever de cuidado e presença emocional dos pais é um compromisso legal e moral, previsto no ordenamento jurídico brasileiro.

Superior Tribunal de Justiça (STJ) já reconheceu a possibilidade de indenização por danos morais em casos de abandono afetivo, consolidando a ideia de que a omissão emocional, quando causa prejuízo concreto, pode gerar responsabilidade civil. No entanto, a jurisprudência mais recente tem adotado uma postura mais rigorosa e criteriosa, exigindo provas robustas e específicas da existência do dano psicológico e do nexo causal com a conduta omissiva do genitor.

Dessa forma, ainda é possível propor ações judiciais com base no abandono afetivo, mas o sucesso do processo dependerá da qualidade e da consistência das provas apresentadas. Laudos psicológicos, perícias técnicas, testemunhos e registros documentais tornam-se indispensáveis para demonstrar que a ausência afetiva causou, de fato, impactos negativos e mensuráveis na saúde emocional e no desenvolvimento pessoal do filho.

Em resumo, o amor não pode ser exigido judicialmente, mas o cuidado sim. Quando esse cuidado é negligenciado de forma injustificada e gera sofrimento, o sistema de justiça pode e deve intervir, assegurando o direito à reparação do dano. Assim, o debate sobre o abandono afetivo permanece atual e relevante, sendo um chamado à responsabilidade parental e à proteção integral da dignidade e dos direitos de crianças e adolescentes


7. Perguntas Frequentes (FAQs)

7.1. Ainda é possível pedir indenização por abandono afetivo?

Sim. A ação por abandono afetivo ainda é juridicamente válida. Apesar de os tribunais estarem mais cautelosos, é possível pleitear indenização, desde que haja comprovação efetiva do dano moral e do nexo causal com a omissão afetiva do genitor.

7.2. Precisa ter laudo psicológico para comprovar o dano?

Sim. O laudo psicológico é uma das provas mais relevantes. Ele ajuda a demonstrar o impacto emocional causado pela ausência do cuidado afetivo, sendo comumente utilizado como elemento técnico para sustentar a existência do dano moral.

7.3. Existe um prazo para entrar com a ação?

Sim. O prazo é de 3 anos a partir do momento em que o filho atinge a maioridade civil (18 anos), conforme o art. 206, §3º, V, do Código Civil. Após esse período, o direito de ação pode ser considerado prescrito.

7.4. O simples fato de um pai não visitar o filho já gera indenização?

Não necessariamente. A falta de visitas, por si só, não configura automaticamente um dano indenizável. É preciso demonstrar que essa ausência causou um sofrimento psicológico significativo e comprovado, com impacto direto na formação emocional do filho.

7.5. Pode haver indenização mesmo que o genitor tenha pago pensão?

 Sim. O pagamento de pensão alimentícia não substitui o dever de afeto, presença e convivência. São obrigações distintas. Um genitor pode cumprir suas obrigações financeiras e ainda assim ser responsabilizado civilmente por abandono afetivo, caso se omita do dever emocional.


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